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24 de ago. de 2012

Pode exigir título de eleitor para ter atendimento público de saúde?

Hoje li um comentário de Déia Menezes: "Isso mesmo, se tiver cartão SUS, tem direito a atendimento em qualquer parte do Brasil, mas em SMI precisa apresentar o título". Esse comentário foi em meio a uma conversa sobre a exigência do título de eleitor para marcar uma consulta médica no atendimento público do município no grupo São Miguel do Iguaçu no Facebook. 
Não procurei a Secretaria Municipal de Saúde de SMI para confirmar a informação. Se fosse fazer uma notícia, com certeza entraria em contato. Mas esse é apenas um texto livre e não jornalístico. Não tenho a pretensão de tornar o blog um veículo noticioso/informativo*.
Se a informação é falsa, ótimo, mas aproveito a oportunidade para alertar sobre a questão.
Se é verdade,  preocupante.
Quando li achei estranho e pensei que se aquilo realmente acontece, não pode estar certo. Fui pesquisar para saber se é apenas estranho ou não está correto. Essa minha curiosidade não é apenas sobre o caso relatado pela Déia Menezes em SMI, mas sobre a questão em si. O Poder Público pode exigir o título de eleitor para prestar atendimento médico público? 

Encontrei na cartilha Voto não tem preço. Saúde é seu Direito! da organização "Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral":
Para começo de conversa, o título de eleitor não é documento obrigatório na hora de receber atendimento, medicamentos e qualquer bem ou serviço de saúde. Portanto, se esse documento for exigido em algum hospital ou posto de saúde, denuncie imediatamente, algo de errado pode estar acontecendo aí. O título de eleitor é um documento exigido apenas na hora da votação eleitoral ou em situações especiais, como no vestibular e na concorrência em concursos públicos. Por isso, não anote em nenhuma ficha nem forneça a terceiros o número do seu título.
Para ler a cartilha, clique aqui. Recomendo a leitura.
Continuei a pesquisa e descobri outro município que também fazia isso. Na cidade de Magé-RJ, em 2008, o promotor de justiça entrou com uma Ação Civil Pública contra o município por exigência indevida do título eleitoral para prestação de serviços essenciais, entre eles o atendimento médico. Veja uma notícia dessa história clicando aqui.
Há outros casos, como Alto do Rodrigues-RN, Capão Bonito-SP e Bacabal-MA, por exemplo. Nas notícias que encontrei sobre esse assunto, os representantes do Ministério Público (MP) das referidas cidades foram unânimes em afirmar que isso é inconstitucional.
Inconstitucional. Mas o que trata a Constituição Federal sobre isso? No art. 196 da CF está: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (os grifos são meus).
Um parecer do Ministério Público de Minas Gerais de maio de 2009, assinado por Rafael Medina Machado, analista do MP, e por Gilmar de Assis, promotor de justiça, também afirma que essa exigência é inconstitucional. Para quem quiser ler o parecer, clique aqui. Veja:
Referentemente a questão da vinculação da exibição do título de eleitor pelo usuário do SUS, como forma de promoção do controle municipal, bem como para os fins de negativa do atendimento, é inconstitucional, em face do princípio da universalidade do acesso e da unicidade do sistema.

Ademais, perfeitamente possível a ocorrência de um cidadão eventualmente residir em um município e ser eleitor em outro. Sendo assim a vinculação ao título de eleitor para o fornecimento de medicamento poderia estar privilegiando uma determinada parcela de cidadãos que sejam potenciais eleitores.
Como já está explicando no texto, é possível que uma pessoa vote em uma cidade e more em outra. Isso é mais comum do que se pode imaginar.
Para não deixar dúvidas, a Lei 8080/90, que "dispõe as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências", em seu art. 7o., inciso I, ressalta a "universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência".
Voltando para a história de Magé-RJ. Em notícia divulgada no Terra na época em que o promotor de justiça iniciou as investigações, a assessoria do MP explicou que a exigência do título para atendimento médico também pode ser caracterizada como omissão de socorro: "o fato de o paciente não ser aceito porque não vota na cidade pode ser caracterizado como omissão de socorro". A omissão de socorro é crime (art. 135 do Código Penal).
A mesma notícia ainda relaciona outra infração nesse caso: "a infração está prevista no artigo 290 do Código Eleitoral, que enquadra como crime "induzir alguém a se inscrever eleitor", ou seja, incitar a mudança de domicílio eleitoral por qualquer motivo. A pena prevista é de até 2 anos de prisão".
O acesso ao atendimento médico é um direito e não uma regalia, um privilégio. Quando um candidato em período eleitoral faz promessas de qualidade e atendimento médico, ele não está fazendo mais que sua obrigação. Qualquer candidato, se eleito, terá obrigações. Como está na Constituição, a saúde é dever do poder público. 
Ainda ficou na dúvida? Procure o Ministério Público e esclareça. O que não pode é ter um atendimento médico público negado e se conformar com a situação.

Veja também:
Título de eleitor para atendimento público de saúde - parte II 
Título de eleitor para atendimento público de saúde -parte III


Para esclarecer: 
*Meu objetivo não é ofender qualquer pessoa;
*Não tenho filiação partidária, não sou candidata a nada, não participo de nada das eleições e não trabalho para nenhum partido ou candidato. A única coisa que faço é ler sobre o assunto e escrever algumas das minhas opiniões;
*Aqui no blog, eu não escrevo notícias, mas a MINHA opinião sobre as coisas que leio, vejo, enfim, qualquer coisa que ocupe os meus pensamentos. No presente texto escrevi o que resultou de uma pesquisa que fiz sobre a exigência do título eleitoral para o Poder Público prestar atendimento médico público. Não procurei as partes envolvidas porque não escrevi notícia e esse é um blog pessoal. Volto a salientar a minha preocupação com o descaso de alguns veículos de comunicação de SMI, que têm a RESPONSABILIDADE e COMPROMISSO de informar a população. São eles que devem escrever notícias, procurar os envolvidos e informar a população sobre fatos de relevante interesse público.
*Para acessar a Cartilha do Movimento Combate à Corrupção Eleitoral que citei no texto, clique aqui.
*A lei que citei no texto é a 8080/99. Para acessar, clique aqui.
*Para ler a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, clique aqui.
*Para acessar o parecer do Ministério Público de Minas Gerais que citei no texto, clique aqui.
*Para acessar as notícias que citei: link da notícia 1 e link da notícia 2
*Esse espaço é livre para qualquer um manifestar a sua opinião. Se concorda ou não com as minhas opiniões, não importa. Mas todos devem assumir suas posições, por isso comentários anônimos não são mais aceitos.
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